Muitos consideram Stephen King o mestre do terror. Mas embora o próprio não pareça ter problemas com o rótulo – “Não me interessa o que me chamam, desde que possa dormir em paz” –, é incorreto reduzir as suas capacidades a um único género. Afinal, King escreveu mais de 50 romances e tem quase 200 contos publicados, tendo vendido centenas de milhões de livros um pouco por todo o mundo. Não o fez apenas a adeptos de literatura de terror. Distinguido ao longo da carreira com inúmeros prémios, entre os quais a Medalha Nacional das Artes, o americano é um contador de histórias por excelência e tem histórias para todos os gostos. Basta escolher.

King número 1 

Se nunca leu um livro de Stephen King, talvez o melhor seja começar pelo princípio. Originalmente publicado em 1974, Carrie foi escrito por King quando este ainda trabalhava como professor de Inglês e revelou-se tão popular – mais de um milhão de cópias vendidas só no primeiro ano – que lhe permitiu desistir do referido emprego para se dedicar em exclusivo à escrita. Nada mal para um livro que, reza a lenda, quase foi parar ao cesto do lixo. O romance tem como protagonista uma jovem com poderes telecinéticos, reprimida pela ultrarreligiosa mãe e alvo habitual de bullying na escola. A escrita é ainda algo crua quando comparada com o nível que King viria mais tarde a atingir, mas a voz e estilo são já evidentes, até na forma como o texto faz uso de cartas e recortes de jornais para dar intimismo e credibilidade à componente sobrenatural.

King sem magia 

Mas se é verdade que o autor não se coíbe de incluir elementos fantásticos nas narrativas, também há obras que se passam por inteiro no mundo que conhecemos. Estas serão as melhores opções para quem pretende conhecer a escrita de King sem tirar os pés do chão. Não se pense, contudo, que estas histórias não têm também os seus próprios monstros. “Os monstros são reais e os fantasmas também são reais. Vivem dentro de nós e às vezes vencem”, acredita o autor.

Tendo por base este critério, um dos melhores livros para ficar a conhecer Stephen King é Misery. Trata-se de um romance construído quase em exclusivo com dois personagens: um escritor de livros românticos que sofre um grave acidente de carro e uma enfermeira aposentada que o socorre e que por acaso é também a sua maior (e mais obcecada) fã. O livro é uma resposta de King aos leitores que o insistiam em prender à literatura de terror, negando-lhe liberdade criativa para desenvolver outro tipo de textos. Por outro lado, a sádica enfermeira funciona também como metáfora para as drogas que o autor consumia na época e das quais não se sentia capaz de livrar.

Outro livro com uma ideia semelhante e que também pode funcionar como uma boa introdução é The Shining, sobre um alcoólico em recuperação que se muda para um hotel vazio com a mulher e o filho, perdendo gradualmente a cabeça na isolação do espaço. Ao contrário de Misery, aqui podem ser lidas algumas inclusões sobrenaturais, mas a sua validade depende essencialmente da interpretação que o leitor faz dos eventos da história.

King em ponto grande 

Para Stephen King, todos os seus livros podem ser divididos em apenas duas categorias: livros virados para dentro e livros virados para fora. O autor explica que “os livros virados para dentro tendem a ser sobre uma pessoa, aprofundando um único personagem”. É o caso dos títulos sugeridos acima. Depois há aqueles que envolvem um elenco extenso, muitas vezes uma cidade inteira, e se centram num evento. Costumam ser livros longos, algo pelo qual King é famoso. Mas se uma história com mais de mil páginas – divididas em dois volumes na edição portuguesa – não o assusta, A Cúpula é mesmo um dos melhores títulos para ficar a conhecer o autor.

A narrativa tem início quando uma gigantesca redoma invisível surge de um momento para o outro, em jeito kafkiano, isolando a pequena cidade americana de Chester’s Mill do resto do mundo. O apelo da obra está contudo na forma como os habitantes reagem ao inusitado estado de reféns. Misturando política, religião, romance e ficção científica, o livro lê-se também a espaços como distopia, demonstrando a extensão da corrupção que pode existir nas cidades pequenas.

Se este é mesmo o estilo que gostaria de explorar, pode igualmente ponderar a leitura de livros como The Stand, A Hora do Vampiro ou A Maldição. O que talvez seja melhor evitar, numa primeira fase, é a saga de fantasia A Torre Negra. De estrutura complexa e escrita quase lírica, inclui diversas referências a outros personagens e obras de King, pelo que será melhor apreciada se já tiver um conhecimento aprofundado do autor.

King em ponto pequeno 

Mas se Stephen King gosta de escrever muito, também tem a versatilidade necessária para escrever pouco. E bem. Algumas das melhores opções para dar entrada no mundo do autor são, por isso, as suas coleções de contos e novelas.

Um dos principais destaques da sua obra é precisamente Estações Diferentes, um livro que reúne quatro novelas, uma por cada estação do ano. São elas: “Os Condenados de Shawshank”, “Aluno Dotado”, “O Corpo” e “A Técnica da Respiração”. Nenhuma das novelas inclui fantasia e três delas foram adaptadas ao cinema, duas das quais com grande sucesso. King decidiu juntá-las quando se deparou com a dificuldade de as publicar num mercado que apenas aceitava romances ou contos.

No entanto, se é mais adepto de terror, pode antes optar por Turno da Noite, uma coleção de 20 contos que abrange os mais diversos estilos e inclui histórias tão elogiadas como “O Papão”, “Quitters, Inc.”, “Filhos do Milho”, “O Último Degrau da Escada” e “O Homem que Amava as Flores”. Aqui o terror é mesmo o elemento que conecta as várias narrativas, mas se há algo que King ensina em toda a sua obra é que existem muitos tipos de medo. Que o diga “A Mulher no Quarto”, o conto que encerra a antologia e que King baseou na sua própria experiência, sobre um homem em desespero que se vê forçado a lidar com o cancro terminal da mãe.


Por: Tiago Matos /http://www.revistaestante.fnac.pt

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